Todos os modos e
tempos verbais do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do
presente do indicativo e todo o presente do conjuntivo. Em que medida é que
isto são boas notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no
presente, nenhum português possa falir.
E quando o leitor pensava que já tinha ouvido tudo
acerca da crise, de repente fica a saber que, gramaticalmente, é muito difícil
que Portugal vá à falência. E, enquanto for gramaticalmente impossível, eu
acredito. Justifico esta ideia com a seguinte teoria fascinante: normalmente,
considera-se que o verbo falir é defectivo. Significa isto que lhe faltam algumas
pessoas, designadamente a primeira, a segunda e a terceira do singular, e a
terceira do plural do presente do indicativo, e todas as do presente do
conjuntivo. Não se diz "eu falo", "tu fales", nem "ele
fale". Não se diz "eles falem". Todos os modos e tempos verbais
do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do presente do
indicativo e todo o presente do conjuntivo. Em que medida é que isto são boas
notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente,
nenhum português possa falir. Não é possível falir, presentemente, em Portugal.
"Eu falo" é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de
vir a falir, porque "eu falirei" é uma forma aceitável do verbo
falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente
legítimo afirmar: "eu fali". Mas ninguém pode dizer que, neste
momento, "fale".
Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas
falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que
os portugueses vivam no presente - que, além do mais, é dos melhores tempos
para se viver - para que não "falam" (outra conjugação impossível).
Não deixa de ser misterioso que a língua portuguesa permita que, no passado, se
possa ter falido, e até que se possa vir a falir, no futuro, ao mesmo tempo que
inviabiliza que se "fala", no presente. Se eu nunca "falo",
como posso ter falido? Se ninguém "fale", porquê antever que alguém
falirá? Talvez a explicação esteja nos negócios de import/export. Nas outras
línguas, é possível falir no presente, pelo que os portugueses que têm negócios
com estrangeiros podem ver-se na iminência de falir. Mas basta que os
portugueses não falem (do verbo falar, não do verbo falir) acerca de negócios
com estrangeiros para que não "falam" (do verbo falir, não do verbo
falar). Eu tenho esse cuidado, e por isso não falo (do verbo falir e do verbo
falar).
Bem sei que o prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como
outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas
essa é uma posição que tem de se considerar anti-patriótica. É altura de a
gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu.
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