quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Receita de Ano Novo, de Carlos Drummond de Andrade


Receita de ano novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

novo até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens


   (planta recebe mensagens? 
passa telegramas?)

                                             Não precisa

                                             fazer lista de boas intenções

                                             para arquivá-las na gaveta.
                                             
Não precisa chorar arrependido
                                             pelas besteiras consumidas
                                             nem parvamente acreditar

                                             que por decreto de esperança

                                             a partir de janeiro as coisas mudem
                                             e seja tudo claridade, recompensa,

                                             justiça entre os homens e as nações,

                                             liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
                                             direitos respeitados, começando

                                             pelo direito augusto de viver.
                                             Para ganhar um Ano Novo

                                             que mereça este nome,

                                             você, meu caro, tem de merecê-lo,

                                             tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

                                             mas tente, experimente, consciente.

                                             É dentro de você que o Ano Novo

                                             cochila e espera desde sempre.
                                                              Carlos Drummond de Andrade
 

Convívio de Natal







































segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Dia da Proclamação dos Direitos Humanos




Inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em França em 1789, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948:
“Proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.”
Um grande marco civilizacional, sem dúvida.
Mas, mais  que celebrar  uma efeméride, é  importante refletir hoje  sobre a aplicação dos seus princípios. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Tarde de Cinema





Casablanca, de  Michael Curtiz (1942), foi o filme escolhido para a  Tarde de Cinema, no passado dia 5, na Casa do Professor.

Tentar descobrir algumas das razões misteriosas que fizeram deste filme um clássico da história do cinema foi um dos nossos propósitos.
Os temas da honra,  da glória e do amor perdido, num mundo caótico, não terão sido alheios a esse sucesso. E a interpretação admirável dos actores principais, Humphrey Bogart e Ingrid Bergman também não, evidentemente. Mas talvez não expliquem toda a mágica de um filme em que, apesar de todas as vicissitudes que envolveram a sua rodagem, tudo parece próximo da perfeição.
Contudo, excepção feita pela personagem Lazlo, combatente da liberdade e símbolo moral inquestionável, todos estão bem longe da perfeição, naquele mundo do salve-se quem puder, sem olhar a meios, e que cabe todo ele no Rick’s Bar, o microcosmos onde se pratica a pequena e a grande corrupção, a opressão e o crime. Onde se  marca encontro com o destino, com a sorte ou com o azar, na roleta ou num jogo solitário, de xadrez. Num jogo de vida ou de morte, onde tantos procuram desesperadamente um meio de alcançar o mundo livre.
Tudo isto numa imagem magnífica, num jogo de sombras e de luz, uma luz que, por vezes, é um foco no exterior que varre tudo, espia a cidade e se infiltra também no bar.
Um piano vai tocando, seduzindo, adormecendo consciências e afastando recordações dolorosas... Até ao momento em que é esse mesmo piano que traz um passado que Rick queria esquecer definitivamente.
Chegado o momento de se confrontar com um mundo que desaba à sua volta, com as emoções ainda vivas de um amor perdido, Rick é obrigado a abandonar o cinismo e a neutralidade com que se protegia para  tomar partido e  agir sobre o destino de outros, correndo todos os riscos.
Tal como era necessário que acontecesse com a América, depois de Pearl Harbour, apelando a um imaginário patriótico.
Esta era a mensagem que o filme deveria fazer passar, na altura. Contudo, com o passar do tempo, outras leituras se têm vindo a sobrepor e a conferir a Casablanca um valor intemporal.
“As time goes by...”
Texto: MV


Casablanca - alguns dados sobre o filme


FICHA TÉCNICA
País:
Estados Unidos
Género:
Drama
Direção:
Michael Curtiz
Roteiro:
Howard Koch, Julius J. Epstein, Philip G. Epstein
Produção:
Hal B. Wallis
Música Original:
Max Steiner
Direção Musical:
Leo F. Forbstein
Fotografia:
Ano:                                                                 
Arthur Edeson
1942

ELENCO

Humphrey Bogart
Rick Blaine
Ingrid Bergman
Ilsa Lund Laszlo
Claude Rains
Capt. Louis Renault
Peter Lorre
Guillermo Ugarte
Paul Henreid
Victor Laszlo


A razão pela qual a peça de teatro que  deu origem ao filme Casablanca, Everybody comes to Rick’s, foi escrita é conhecida: Murray Burnett, o seu autor, professor de um liceu em Nova Iorque, foi a Viena para ajudar familiares seus, judeus, a transferir dinheiro para os EU. Durante a viagem à Europa ocupada, tomou a decisão de escrever uma peça de teatro anti-nazi. O que veio a acontecer, juntamente com Joan Alisson. Contudo, tendo vendido os direitos  à produtora, só conseguiu levar a peça à cena em Londres, décadas depois (e com vários processos judiciais pelo meio), sem que tenha conseguido alcançar qualquer êxito. Ao contrário do filme, que recebera três Óscares e que passou a estar incluído nos primeiros lugares dos filmes de culto.

Começado no dia seguinte ao ataque a Pearl Harbour, o acontecimento decisivo para a entrada da América na II Guerra Mundial, foi pensado como uma arma de propaganda anti-nazi e favorável ao envolvimento na guerra. Na pressa de o produzir rapidamente, foram abandonadas muitas decisões iniciais tais como o realizador, os actores principais, o lugar onde se iria passar a acção e até o título.
Todo rodado em estúdio (com a excepção de algumas cenas tiradas de outros filmes), Casablanca foi sendo construído à medida que as filmagens decorriam. Apesar dos obstáculos de vária ordem que foi necessário ultrapassar, o filme atinge uma perfeição indiscutível, graças em grande parte à interpretação admirável dos actores principais, Humphrey Bogart, no papel de Rick e Ingrid Bergman no de Ilsa.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Homenagem a Óscar Niemeyer






















Gostava de estabelecer entre as palavras e o silêncio
aquelas proporções que Oscar Niemeyer consegue
entre volumes e não volumes
entre cheios e vazios.
Gostava de inventar linguagem dentro da linguagem
como Niemeyer inventa espaço dentro do espaço.
Mas como criar na escrita o nunca escrito?
Gostava meu caro Oscar Niemeyer
de pegar na caneta e fabricar um pouco de infinito
fazer com sílabas e fonemas
o que você faz com traços e com esquemas.
Mas eu não posso meu caro eu não posso ou não sei
construir uma cidade com poemas.

Tão pouco sei se Deus tem mão e se desenha
não sei sequer se existe ou simplesmente
deixou para Oscar Niemeyer
o oitavo dia da criação.
Mas é o que parece quando você faz um croqui
e depois é Brasília
uma catedral um museu uma mulher
ou uma casa em Canoas.

Com Oscar Niemeyer o Brasil é mais Brasil
o mundo se refaz se reinventa se revoluciona
contra a injustiça contra a opressão contra a fealdade.
Cada projecto seu é um acto de harmonia
traço a traço você subverte o espaço
e semeia a beleza na desordem estabelecida.

Consigo é possível a utopia
consigo a arquitectura é outra vida.

Manuel Alegre





sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Cidade fantástica




Hoje, não foi atrás da linha do horizonte que o sol se pôs.
Para lá da névoa que sobre ela pairava e a esbatia, nuvens baixas e contínuas - silhueta de uma cidade a que tampouco faltavam farrapos-copas  de árvores.
E colado àquela cidade fantástica que nascia da bruma, um enorme lampião, esplendor tão forte que não se conseguia fitar, iluminava-a e, lentamente, desaparecia por detrás do casario.
Uma luz dourada contornou a cidade acentuando os contornos, irrealizou-a ainda mais e o céu foi banhado por tonalidades que o matizavam de vermelho e rosa.
Então, a irrealidade foi total, porque por cima, num oceano azul, calmamente deslizava um cardume conduzido por enorme baleia de cauda levantada, em tons rosados e cinza, seguida de peixes mais pequenos, tanto mais rosados quanto mais perto estavam do dourado que contornava a cidade.
Hoje, ao entardecer, para cá do horizonte a ria não refulgiu. A cidade-fantasma absorveu todo o fulgor do sol.

Maria Herculana
 29/11/2012

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Coimbra tem mais encanto...



Na verdade, Coimbra encantou... desde o primeiro momento, oferecendo-nos múltiplos encontros com a história,  a arte e  a tradição. 





Coimbra - Mosteiro de Sta Clara-a-Velha


Coimbra tem ainda mais encanto por nos permitir usufruir do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, numa vasta área (cerca de 28 000m2).

Quem visitar este Monumento Nacional pode agora apreciar a ruína, ver a exposição multifacetada do espólio conventual dos séculos XIV a XVII, assistir à exibição de documentários e filmes…


É que a ampla intervenção decorrida entre 1 995 e 2 007  (período em que foi considerado como o maior estaleiro arqueológico medieval europeu), para além de uma complexa escavação arqueológica, compreendeu o restauro do conjunto monástico e um novo centro interpretativo.



Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Coimbra: em último plano o Mosteiro de Santa 
Clara-a-Nova no Monte da Esperança, in http://pt.wikipedia.org/wiki/Mosteiro_
de_Santa_Clara-a-Velha
   

À fundação do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra encontra-se associado o nome de uma nobre dama coimbrã, Dona Mor Dias, que, seguindo o apelo da forma de vida proposta por Santa Clara, empreendeu esforços para a instituição da sua casa de clarissas, entretando dificultada por uma acesa contenda com outras ordens religiosas.
A primeira pedra foi lançada, finalmente, a 28 de abril de 1268, perto do convento franciscano (erguido em 1247), fora de portas da cidade, na margem esquerda do rio Mondego.
Com o falecimento da fundadora (1302), o convento herdou os seus bens e rendimentos, mas a contenda prosseguiu e este foi mesmo encerrado.
Mas Dona Isabel de Aragão, piedosa rainha de Portugal, empenhou-se na mediação do conflito, tendo obtido autorização papal para a refundação do convento.
Em 1314, por ordem e devoção da rainha, iniciaram-se as obras da segunda construção, tendo o Mosteiro de Santa Clara sido erguido no local do primitivo do núcleo de monjas clarissas.
As obras, custeadas pela rainha, incluiram novos edifícios em estilo gótico, de que se destacam o claustro e a igreja, sagrada em 1330, e a edificação de um hospital, com cemitério e capela, e um Paço, onde a Rainha Santa Isabel, com o hábito das clarissas, viveu desde a morte de D. Dinis (1325).
O mosteiro da comunidade clarissa desde cedo viu o seu espaço inundado pelo Mondego, com o qual, ciclicamente, mantinha uma luta inglória. Rio paradoxal, de amenas águas e serena face veranil, mas tormentosa e ameaçadora torrente.
E tendo sido este o local escolhido pela rainha para sepulcro, devido à grande cheia de 1331, o seu imponente túmulo foi transferido para uma capela superior, onde permaneceu, virado para o altar mor, até à transferência definitiva das freiras, em 1677, para o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, mandado construir, por D. João IV, no vizinho Monte da Esperança.
No séc. XVII, a regularidade das cheias obrigou à construção de um piso superior, tendo as freiras cedido o piso térreo às águas e lodos invasores, que amavelmente preservaram a arquitetura e as esculturas, por mais de 300 anos.
Os últimos trabalhos de escavação finissecular puseram a descoberto um amplo claustro, ornamentado com belas peças escultóricas (de estilo gótico e renascentista), revestido com azulejos polícromos.
As peças recuperadas e expostas no centro interpretativo permitem avaliar a vivência espiritual e temporal da comunidade monástica das clarissas, em clausura, repartidas entre a oração e o recolhimento, os lavores femininos e a assistência aos desvalidos e doentes, mas também espaço de poder e riqueza, sobre o qual ainda paira a ameaça das sequiosas águas do Mondego…
Em 2010, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha foi contemplado com o prémio Europa Nostra, um dos mais importante galardões europeus.

Texto: Mª José Ramos

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Amadeu de Sousa-Cardoso II

Recebemos mais uma contribuição a propósito da celebração do 125º aniversário do nascimento de Amadeu de Sousa Cardoso: um vídeo, do Youtube, com música de Debussy - Iberia.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Amadeu de Sousa Cardoso







Celebram-se hoje os 125 anos do nascimento de Amadeo de Sousa Cardoso.
Amadeu de Souza-Cardoso (1887-1918) foi o percursor da arte moderna em Portugal.
As primeiras experiências do pintor deram-se no desenho, especialmente como caricaturista. Aos 19 anos de idade, mudou-se para Paris, onde conviveu e trabalhou com grandes figuras do meio artístico da época.
Além de Paris, participou nos dois mais importantes eventos da década de 1910 - o Armory Show, em Nova Iorque e o Erster Deutscher Herbstsalon, em Berlim.

A morte prematura aos 30 anos não lhe permitiu afirmar junto do grande público a notoriedade que outros grandes  vultos da pintura vieram a ter, a nível europeu.
Em Portugal, a obra do artista esteve esquecida durante muito tempo, o que o crítico de arte Alexandre Pomar explica da seguinte forma: “Uma forma muito nacional de inferioridade foi menorizando o que se apresentava como mais pessoal e interpretando como influências sofridas (de Modigliani, de Brancusi, por exemplo) o que era cumplicidade e concorrência criativa, ou mesmo influência exercida sobre outros”.
 


















Recentemente, em 2006, a Fundação Gulbenkian realizou uma grande 
exposição do artista, com enorme afluência do público que, pela primeira vez, se apercebeu que era português um dos pintores mais  importantes do modernismo europeu.


Almada Negreiros, contudo, estava já bem consciente, na altura, da importância da obra de  Amadeo e escreveu o seguinte, a propósito da abertura de uma exposição: