terça-feira, 30 de julho de 2013

A noite



Regressei do jantar da nossa Associação, na Casa do Professor, com a alma cheia daquele paisagem linda que se estende da serra à ria.
Apesar do vento ter querido sabotar o acontecimento, não teve outro remédio se não acalmar perante a nossa persistência e a noite estava quase calma, quando voltámos ao terraço para “ver as estrelas”.
Fiquei a observar as luzes que surgiam na escuridão e isso levou-me aos meus tempos de jovem.

Sempre gostei da noite. Quando estudante ou se tenho de realizar qualquer trabalho, é a noite e não a madrugada que me rende.

Passear à noite, o sossego da noite, a quietude das noites de Albufeira, quando o silêncio era tão absoluto, a partir de certa hora, que se podia ouvir o rumor do mar que saía do túnel ao fundo da rua onde morava quando menina e moça.
Então, às vezes, quando todos dormiam, ia para a varanda que havia no meio do quintal, deitava-me de costas e ali ficava, a mirar as estrelas no negro do céu, a ouvir o mar, o sussurro do vento nas folhas e a pensar.
Naqueles momentos só existia eu - eu e a noite. Dos tais momentos inesquecíveis.
A certa altura, era como se o meu corpo deixasse de me pertencer.
Numas vezes como se se diluísse e fizesse parte de tudo o que me rodeava. Era o bem-estar absoluto.
Noutras o sangue latejava e eu sentia como se estivesse a absorver uma força vivificadora. Era muito estranho, mas sempre agradável - um sentir quase místico.

É corrente, em literatura, atribuir à noite o mau, o negativo, associado à maldade da alma humana, que Mozart quis caracterizar na Rainha da Noite - símbolo do pior lado das criaturas.
Eu não a sentia assim.
Pelo contrário - era na noite, que descia sobre mim algo de muito forte e purificador, como se atravessasse uma câmara de vitalidade física, mental e espiritual.

Recordação inolvidável, que a nossa Associação me trouxe de volta.

Maria Herculana
13/7/2013

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