Uma chávena de café
Após o almoço vinha
o ritual: era seu privilégio tomar uma chávena de café no terraço virado ao
mar.
A máquina expresso
facilitava esse prazer.
Ao destapar a
caixa com o café recentemente
moído, o cheiro invadia-lhe as
narinas.
Enchia o recipiente,
aconchegava-o quase com carinho e colocava-o no local onde recebia o jacto de
água fervente que lhe extrairia todo o aroma e sabor.
Accionava o botão,
via as bicas verterem dois fios de espuma acastanhada para a chávena de vidro e
aspirava o aroma forte e quente.
Desligada a máquina,
algum líquido escorria ainda.
Pegava na chávena e
ficava a observar o café. Flocos acastanhados flutuavam, descendo da superfície
coberta por compacta espuma. Mais rápidos e abundantes no início, mais raros e
lentos depois, cada vez mais lentos até a cor castanha, escura, homogénea,
escurecer mais ainda e ser um líquido negro sob a camada de espuma espessa e
dourada.
Gostava de seguir
todo aquele processo.
Só então o bebericava, golinhos curtos, o líquido
amargo e escaldante a queimar a ponta da língua, a deslizar pela garganta e o
seu calor a percorrer o peito. Por fim, sentia o
sabor suave da espuma, a textura aveludada a desfazer-se lentamente na boca.
Chávena na mão, olhar perdido na imensidão do
mar, plácido em dias calmos, agitado em dias de temporal, sentia-se com ele
irmanado numa solidão imensa, uma solidão sem fim, mesmo quando para eles
convergiam as atenções e, aparentemente, eram o centro do universo.
A solidão era
constante - os momentos diferentes, agradáveis ou não, eram meras ilusões que a
tornavam mais suportável.
Maria Herculana
10/06/2014
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