domingo, 24 de fevereiro de 2013

Falar algarvio



“Há 10 anos, a professora do 1º ciclo do meu neto que vive em Lisboa, pediu-lhe que, das suas férias no Algarve, levasse uma lista de palavras algarvias, que ela sabia existirem mas não conhecia.
Daí nasceu este  pequenino texto, de que já não me lembrava e encontrei agora, por acaso. 
Não serviu apenas para motivar uma aula - saiu no jornal da escola.”

Maria Herculana 

Um dia na mata, estava a comer um seringonho, uma canita ferrou-me uma dentada que me fez um bechoco. Deu-me a ravasca e, à rebendita, dei-lhe uma cachamorrada que ela até andou de rabeleta no rasquilho! Fiquei mesmo marafado.
O que vale é que fui à da minha tia. Estava cheio de fome e comi logo pão só por si. Nessa noite ela fez galinha cerejada e xerém de condelipas para o jantar que comemos em tejalas. Toda a gente queria as raspaduras. Foi um pagode e de colher no tacho só se ouviam as nossas carcachadas. De sobremesa comemos tingerinas e tarrincàmos alcagoitas ou arvelhanas, que é a mesma coisa. 
Daí a pouco estava com dor de barriga e lá tive de ir fazer o serviço. 
Ficou logo combinado que, no dia seguinte, íamos desburgar grizéus para a sopa e comíamos charrinho alimado e cataplana.
 Saímos para o jardim e como a noite estava escura vimos uma porção de luzincus junto das flores.
Vimos então passar à ula-ula um marraxo - um vizinho de màrrelé mas que gosta de dar à tramela. Ia a vender aguardente e levava um garrafão de medronho e uma tóneira na mão. A minha avó deu-lhe de vaia e ele respondeu que a noite estava boa porque estava vente de ponente. Eu não gosto dele porque já o vi dar um lembefe no filho.
Quando cheguei a casa ia feito em laré. Bebi um solvo de leite, deixei a roupa num mazarulho e caí num sono dermente.
De manhã acordei com um grande lavarito. Era a moçanhada toda que ia para a praia torrear nas ondas porque havia levante e o mar estava brabo. Quando acabei de me vestir ouvi uma buzaranha e caiu uma esgarroada. Mal escampou saí a correr mas escorreguei e fiquei espatarrado no meio do chão e com as calças todas estafajadas e enlocadas. Que grande porqueira!
 Uma mocequena minha amiga que ia a passar, com um balaio de empreita, riu e disse: És um cu de arroba e ainda por cima vens em corpinho gentil e para caíres dessa maneira deves ser calhandro, mas deixa da mão. Toma lá as consoadas que eu te vinha dar.

GLOSSÁRIO

Seringonho – frito de massa, filhó
Canita – cadela
Bechoco – ferida
Ravasca – fúria
À rebendita – de propósito
Cahamorrada – pancada
De rabeleta – a rebolar
Rasquilho – folhas secas do pinheiro
Marafado – irritado
À da – à casa da
Só por si – sem nada, às secas
Cerejada – frita depois de cozida
Xerém de condelipas – papas de milho com conquilhas
Tejalas – tigelas
Raspaduras – parte das papas que fica pegada ao fundo
Pagode - divertimento
Carcachadas – gargalhadas

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