quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012



"Quem Tem Medo de Virginia Woolf?" foi a peça a que tivemos o privilégio de assistir, no passado dia 29 de janeiro, o último espetáculo sob a responsabilidade de Diogo Infante, entretanto substituído na direção do Teatro Nacional D. Maria II.
Representada de novo em Portugal, a conhecida obra do norte- -americano Edward Albee teve encenação de Ana Luísa Guimarães e contou com a excelente interpretação de Maria João Luís (Martha), Romeu Costa (Nick), Sandra Faleiro (Honey) e Virgílio Castelo (George).
Ainda antes do contacto visual, o espetador é confrontado com as vozes alteradas de Martha e George, um casal de meia-idade que regressa ao seu lar, alcoolizado e já alta noite, depois de uma festa em casa do pai de Martha, reitor da universidade local. Aliás, a crueza da linguagem é o primeiro desestabilizador psicológico a que o espetador tem acesso.
Entremos, com eles, na sala. Aí tudo se revela. As personagens vão-se desnudando e expondo as feridas da alma à medida que se descobre a frustração e a mentira que paira sobre as suas vidas conjugais. Como diz Albee “O inferno pode ser uma sala-de-estar confortável e um casal insatisfeito”.
No meio de uma acesa discussão, George, professor universitário do departamento de História, acaba de saber que ainda terão visitas: Honey e Nick, um jovem e feliz casal recém-chegado, que Martha conhecera na festa, e também ele professor da mesma universidade, da cadeira de Biologia.
Regressemos à sala onde, surpreendido perante o fulgor da discussão dos anfitriões, acaba de entrar o jovem casal. Na representação da sua perfeita conjugalidade, atónitos, desconcertados e hesitantes, Honey e Nick aceitam ficar, ainda na expetativa de um convívio convencional.
Porém, o álcool continuará a etilizar todas as personagens dessa noitada e Honey e Nick, inicialmente tão deslocados, participam no jogo depressivo e autodestrutivo do casal anfitrião. Provavelmente, as habituais discussões de Martha e George deixaram de ser libertadoras, pelo que precisam da presença de incautos espetadores para os seus confrontos verbais, para a libertação das tensões latentes, para a verbalização de traumas, frustrações, raivas e angústias.
E os visitantes indefesos assistem a um inesperado e intenso combate emocional, repleto de agressões mútuas e perigosos jogos de revelações e de ilusões perdidas. Aliás, George, ao aludir a algumas das mentiras de Nick, arrasta-o também para esse jogo perverso, sem vencedores. A pouco e pouco, sob o efeito crescente de uma pesada tensão, também os seus segredos mais íntimos são revelados e as máscaras bem afiveladas do jovem casal vão sendo desfeitas. Depois desta noite nada mais permanecerá igual. As fraquezas são postas a nu: a desequilibrada e transgressora Martha humilha o marido por este não conseguir assegurar o cargo de reitor; George, que apenas deseja a cátedra de História, sofre por amor à mulher, desesperado com as suas loucuras e a ilusão de uma gravidez concretizada há 23 anos; Honey e Nick, encarnando o mito do casal perfeito, desfazem-no ao conhecer-se a pressão e repressão constantes que o marido exerce sobre a mulher, fazendo-a abdicar da sua auto-estima e liberdade.
Todas as personagens são obrigadas a reverem-se…
Ao longo de quase três horas de intensa representação, o espetador sente-se no centro de uma competição: esgrimem-se argumentos e defendem-se transgressões, numa teia de sombrios e assimétricos jogos, especialmente verbais: e se, num primeiro momento, Martha aparenta sair vencedora, ao humilhar profunda e publicamente o marido, no final da peça, é George quem conduz o jogo e quebra o vidro da ilusão, atrás do qual Martha, se escondia, obrigando-a a ver claro e a enfrentar, sem medo, os seus traumas e temores.. “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, de Virginia Woolf?, de Virginia Woolf?… ”.

MJR

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